Acredito que a pandemia causada pelo Covid 19 nos fez mudar o olhar sobre nós mesmos, sobre o próximo e o mundo. Criamos também um outro ponto de vista sobre a nossa casa. Hoje olhamos nosso lar e o uso dos espaços de uma maneira diferente. E minha reflexão como arquiteta será em relação ao uso dos materiais nesses ambientes.
Novos hábitos estão sendo criados, começando pelo Home Office que muitos não viam necessidade. Hoje perceberam o quanto é importante ter um cantinho em casa onde possa deixar o computador e as coisas do trabalho. Quem não tinha esse espaço, nesse momento, teve que criar a partir da necessidade do isolamento social.
A própria forma digital de se trabalhar, as pessoas estão vendo a importância disso. Assim como o uso de uma plataforma digital compartilhada com sua equipe. Ter opções fáceis de fazer uma reunião por vídeo chamada, de uma internet rápida, enfim de usar a comunicação virtual de forma constante e natural.
Novos hábitos
Voltando pra essa questão dos espaços conscientes, que a partir de agora estarão mais voltados para o conforto das pessoas e o uso de materiais higienizáveis e recicláveis de maneira mais efetiva. Os novos projetos terão que ser pensados em espaços mais práticos e de fácil higienização.
Como podemos realmente criar casas mais seguras e saudáveis diante desse novo cenário?
Sabemos hoje que o vírus pode permanecer por algumas horas em alguns materiais como alumínio, cobre e papel e até por dias em tecidos, aço inoxidável e plástico.
Então vamos pesquisar produtos e objetos que possam ser higienizados de uma maneira mais fácil, como materiais que tenham propriedades antimicrobianas, que aumentem a resistência ao ataque de bactérias e vírus ou produtos que as eliminem de forma eficiente e rápida.
Essas questões relacionadas à saúde terão uma atenção maior e novos hábitos serão criados. Pensem na questão do sapato que vem da rua, talvez haja um novo hábito aqui no ocidente a partir desse episódio. Onde deixar esse sapato na entrada das residências? Como iremos repensar isso?
Refletindo um pouco mais sobre materiais, que acabamentos são esses que podemos usar e estão disponíveis no mercado? Que novos materiais serão criados a partir dessa demanda? Por exemplo, um piso, um tecido ou mesmo o tampo de uma mesa de reuniões. E o próprio ar, como será pensada essa ventilação e purificação para as pessoas respirarem com segurança?
Ar condicionado: por enquanto, o que fazer?
Uma questão que logo me chamou atenção durante essa pandemia foi o sistema de ar condicionado. Estudos preliminares indicam que o sistema convencional não é suficiente para filtrar as partículas. Falta uma filtragem na escala de nanômetros para impedir que o vírus se propague por meio do sistema. Também temos que considerar a taxa de renovação do ar externo, qual seria o percentual ideal? Tudo isso é muito novo para se ter qualquer conclusão.
Agora pensando sobre o ar condicionado central, aquele usado em supermercados e shoppings por exemplo. A orientação hoje sobre essa questão tem muito a ver com a consciência dos administradores desses espaços em manter ativo o Plano de Operação, Manutenção e Controle, determinados pela Anvisa (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária). Porém até o momento, não existe um controle rigoroso sobre essa questão. Então na verdade, pouco sabemos o quanto esses ambientes podem ser seguros ou não. Outro agravante é que o ar condicionado deixa o ar mais frio e seco, e com isso pode prolongar a permanência das partículas no ambiente.
O segredo então seria criar filtros mais eficientes? Espero que as industrias estejam se agilizando sobre essa questão. E a renovação do ar? Também penso num sistema que realize com mais frequência a troca de ar com o exterior, propiciando uma troca constante de ar e aumentando a qualidade.
Ainda é cedo pra falar, mas acredito que a segurança plena no sistema de condicionamento de ar possa seguir por esse caminho. Por enquanto, o mais seguro sem dúvida é desligar o ar condicionado, abrir bem as janelas promovendo uma circulação de ar eficiente.
Revestimentos
Falando sobre os pisos e paredes, vamos buscar materiais mais fáceis de limpar e que não acumulem sujeira.
O pisos cerâmicos ou mesmo de concreto com verniz são revestimentos pouco porosos e também que não precisam esfregar muito na limpeza. Os pisos que não podem ser lavados com abundância de água já não são tão indicados. Além disso, peças maiores com menos rejuntes e frestas serão a melhor escolha.
Penso também que os pisos homogêneos e de alta resistência, tipo hospitalar, aquele que atende as especificações da ANVISA também devem ser considerados. São feitos com PVC e muitos deles tem na composição material reciclado. Hoje existem inúmeros padrões de desenhos e cores no mercado e a sua casa não irá ficar com cara de hospital. Eu mesma já usei esse piso em quarto de crianças e o resultado ficou ótimo!
As superfícies de bancada, mesas e afins
Uma das nossas maiores preocupações é deixar as bancadas de preparo e consumo de alimentos higienizadas adequadamente. Temos que procurar no mercado, superfícies com reduzida porosidade e que sejam impermeáveis a líquidos. Produtos resistentes a ácidos também serão cada vez mais usados!
Nessa área, sai na frente os produtos 100% higienizáveis como pedras, quartzos, vidro e resina acrílica (Corian), este último muito usado em hospitais e clínicas.
Um item bem importante na hora de especificar e comprar, é verificar se o revestimento tem certificado garantindo segurança e proteção alimentar e de higiene. Isso é muito importante! Pois mostra que a indústria teve essa preocupação e que foram feitos testes e adequações para esse produto ser certificado. Já existe no mercado, empresas que estão há muitos anos atentas a esse quesito.
Tecidos
Os tecidos são uma preocupação à parte, pois pensando nesse momento, como higienizá-los?
Começo dizendo que os tecidos tipo couro vegetal, couríssimo e afins saem na frente quando o quesito é limpeza, onde você pode passar pano bem molhado várias vezes com produtos higienizáveis . Em segundo lugar os tecidos que recebem camadas de impermeabilização, e por último o tecido comum.
Pensando em mantas, almofadas e colchas, podemos lavá-las constantemente com abundância de água e sabão, que será o suficiente para mantê-los limpos.
Já pensando num sofá, o ideal é que seja passado um pano com produto de limpeza específico (por exemplo hipoclorito de sódio 1% diluído na água). Deixar pegar sol também seria muito importante; e por último chamar uma empresa especializada em higienização de estofados a cada 06 meses para completar o circuito e garantir a higiene.
Gostaria de deixar bem claro que, hoje não temos disponíveis um tecido perfeito em termos de limpeza que possamos usar nos estofados e penso que os fabricantes terão que se adaptar à nova exigência do mercado.
Um assunto que quero lembrar, é que existe uma diferença entre limpeza e desinfecção. A desinfecção destrói os micro-organismos patogênicos das superfícies. Os materiais que temos fácil acesso para desinfecção são a água sanitária (hipoclorito de sódio 1%) e o álcool etílico 70%. Esses materiais devem ser usados de acordo com a orientação da Anvisa. Quando falamos em higienizar, estamos nos referindo a desinfecção mesmo, com o uso desses materiais.
Concluindo
O design de interiores está se transformando no sentido de termos espaços mais arejados, com mais iluminação e ventilação natural. Seguindo esse caminho, acredito que teremos ambientes com menos objetos, mais “cleans” e com superfícies mais lisas. Cantos abertos, sancas e locais de difícil acesso à limpeza deverão ser revistos.
No campo do design de produtos já vemos alguns itens sendo criados e inseridos no mercado, como exemplo o lançamento de Franki show de uma mini cápsula, tipo um abajur, que esteriliza pequenos objetos como celulares, carteiras e chaves usando a radiação ultra violeta. A ideia é usá-lo no hall de entrada.
Os materiais para revestimentos e mobiliário seguirão também pelo campo da inovação, novos produtos antimicrobianos devem ser incorporados e camadas de proteção incluídas. Consequentemente a indústria também deverá se adaptar, investir em pesquisa e criar novas soluções.
E nós arquitetos, designers e consumidores temos o papel de ficar atentos, pesquisar e criar soluções, além de exigir mais segurança nos ambientes. Minha proposta aqui é abrir espaço para a reflexão, é pensar diferente do “antigo normal”, é ter mais responsabilidade nos projetos e atuar de forma eficaz para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Estela Cislaghi- Arquiteta